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04 junho 2013

Mercedes Lorenzo


© Mercedes Lorenzo. Todos os direitos reservados


Vocábulo - Sintaxe e morfologia de uma obra


Na parte de baixo um ligeiro sfumato e na zona intermediária o tratamento realístico; no plano superior, dramáticos negros em dois extremos. Costura a cena cálidos terrosos. Mas o que está em evidência, a queimar os olhos, são os brancos explodidos -- reforçando o argumento (na música a isto se dá o nome de tema). Pois bem, ali estão as peças de vestuário, o casario e a cerca indicativa de caminho. Por esta via, os elementos tratados da mesma forma, leva a crer que a artista tenha querido aí criar um só vocábulo - ou deles fazer um anagrama. Imagino que anagrama, porque ela não cairia na obviedade duma construção imediata e dedutível - e portanto, vulgar. Corriqueira, sim, vulgar, jamais. E o corriqueiro,  o fugaz é o mais inapreensível dos instantes.

Mas juntando os elementos da construção técnica do retrato, do pormenor ao todo, é que se consegue compreender que o motivo é o que 'menos' importa . Partindo do bucólico é que se encontra o motivo não da fotografia per-si. Porque não se vê uma foto. Na verdade é como se se estivesse a ler um livro. E é quando a fotografia menos se assemelha a fotografia, é quando mais se é fotografia (a citação não é minha). E dizem ainda que o melhor de um livro não são suas linhas e nem mesmo seu texto, mas aquilo que se pode (quando se pode) depreender. Neste sentido, aqui está um grande exemplo de literatura. Literatura quando muito bem apreendida e, raramente se deixada fotografar.

Mas, expandindo um pouco mais o repertório, quem quiser ainda, pode fazer mais uma conexão. Mas para isso é preciso aguçar os ouvidos. Sim, estou falando da música dodecafônica. Portanto, de dissonâncias. E as dissonâncias -- é bastante sabido por todos -- só encontra seu paralelo (os puristas hão de me atirar pedras) naquilo que reverbera. Ou seja...

Agora, agora vamos falar da parte não-técnica. Bem, bem, agora é a vez de ir para os entremeios. Cada um por si. Como dito acima, o bom do texto é aquela parte que cada um faz sua própria leitura. Qual página, estamos, mesmo?

// - O cavalo? Não, não é um cavalo. Um cíclope, um unicórnio? Em casa, assiste-se a um programa de tevê. Ensina receitas de bolo. Na oficina, alguém solda o lampião que se quebrou. Abaixo das urzes, um riacho. Corre, rio acima, notícias numa balsa... As roupas lavadas quaram. Quando retornar, no índigo estará o cheiro de sabão, de limpeza e de cuidado. Ainda bem que fez sol o dia todo. Ainda bem que não choveu... Quando você chegar, tudo estará em ordem. Como sempre esteve e como sempre estará.

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