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30 dezembro 2012

Tempo e Natividade


(Crônica do Natal de 1996)

A mais hedionda das aparições:
Marimbondos, rãs, sapos e algumas lontras. Também lesmas
escorregando na mesa preparada para o jantar.


A noite fatídica das queimas de velas
A dor dos sinos açoitados na carcaça fria de aço
O cheiro desolado partindo dos bueiros.


Uma noite de natal na casa sem datas,
No sobrado de poucas luzes e quase sem janelas
sem marquises e sem calhas.


A ante-sala onde as almas esperam a ceia
reclinadas no espaldar puído das cadeiras
ou andando nervosas de lá para cá.


E passos rangendo nos degraus:
É a Ausência quem chega usando roupa de gala
com seu vestido de brocado, guizos e cetim.


Tocaram oboés quando as almas se sentaram
E todas esconderam as faces em choro enquanto,
vagarosamente, estendiam guardanapos negros sobre o colo.


A Ausência era uma espécie de vulto encarquilhado,
de pele rugosa envelhecida pelo esmalte da eternidade;
Reinava absoluta no casario onde os inquilinos jamais podiam se amotinar.


O estupor das fazendas, as articulações com bursite
E a catequese tentando imputar aos sentidos a nulidade dos vínculos de afeto,
todo passo sobre a ponte, todo elo transcendente.


Escolha sua malta, sua caserna e o desejo puro.
Embrenhe-se nos orifícios intra-moleculares,
A ortodoxia das estruturas dura pouco: Sistêmico porvir.


O teorema não tem brilho; de veios se reveste o espírito
e de mudas inevitáveis em desespero apodrece – Crava,
crava uma guirlanda em tua porta.


Como dois ventrículos, também dois mundos.
Duas ceias, duas cabeceiras, dois escuros.
Duas mãos sobrepostas, dois olhares.
 Dois silêncios, duas dores: duas noites desconjuntadas de natal.

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Do meu livro Silêncio Suspiro Saudade (Inédito)
Registrado na Biblioteca Nacional do Brasil N 279.089
 

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